Eu nunca pensei que um dia escreveria sobre literatura no Idas & Vindas. Sim, eu sei, está escrito lá no “Sobre a Carla” que eu sou professora de literatura, doutora em literatura comparada… Mas, dada a própria natureza do I&V, um espaço onde eu falo sobre viagens literais, e não literárias ( 😛 ), sempre achei que não caberia aqui misturar mais nada.
Há cerca de 20 dias, entretanto, eu caí de paraquedas (a nova grafia é essa feiosa mesmo?) em um post da fellow bookworm Camila Navarro. Não me lembro mais como cheguei lá – se foi fazendo a visitinha costumeira ao Viaggiando, o delicioso blog da Camila (delicioso mesmo, o post sobre doces portugueses é de morder a tela…) ou se foi por alguma chamada no Facebook. O fato é que, em pleno final de semestre na universidade, imersa em um milhão e meio de trabalhos e provas para corrigir, eu me peguei sonhando acordada com um projeto tão ambicioso quanto fascinante, e que me fisgou irremediavelmente.
Tudo começou, como explica a Camila, com um retweet da Emília Fernandes sobre um projeto da escritora inglesa Ann Morgan, A Year of Reading the World. Por ocasião dos preparativos para os Jogos Olímpicos de Londres, Ann percebeu que pouco conhecia do resto do mundo, especialmente do mundo não-falante de inglês, e decidiu empreender uma verdadeira volta ao mundo dos livros, lendo um livro de cada país no espaço de 1 ano. Visitei o site e li sobre o projeto com um misto de admiração e ceticismo – achei sensacional a sua disposição (e tempo!) para ler mais de um livro por semana, ao longo de 1 ano inteiro, mas, como boa professora de literatura, também não pude deixar de questionar essa leitura frenética, sem um tempo razoável para parar e refletir sobre o que foi lido, especialmente no caso dela, que admitiu não conhecer praticamente nada fora do mundo anglófono antes de iniciar o projeto.
Inspirada pelo projeto da Ann Morgan, a Camila criou o seu próprio, que intitulou A Volta ao Mundo em 198 Livros, e que me pareceu bem mais sensato e divertido. Ela começou o projeto no final de julho, mas não marcou data para terminar, de modo a manter a leitura em uma escala humana e não perder de vista o prazer – e ainda decidiu escolher os destinos por sorteio!!! Li o post da Camila sem desgrudar os olhos da tela, me identificando com muitas passagens – e agora, relendo os comentários que deixei lá para ela, já percebo, desde o primeiro, que eu não seria capaz de me manter à margem de um projeto tão bacana! 😉 Afinal, uma pessoa que oferece a seguinte explicação científica “Eu adoraria embarcar em um projeto desses, mas hoje em dia praticamente não consigo tempo para ler por lazer. Como professora de literatura, e orientando pós-graduação, não sou mais muito dona das minhas escolhas de leitura…” para logo em seguida dar um monte de dicas de livros e dizer “Vou acompanhar esse projeto de pertinho!” só pode mesmo estar procurando sarna para se coçar…
Pois o fato é que estava mesmo – e, no meu caso, isso significa embarcar em um projeto pessoal de redescobrir o prazer da leitura pela leitura, sem a obrigatoriedade de dar uma aula sobre o assunto, escrever uma resenha ou artigo, orientar um mestrando ou apresentar um trabalho em congresso. Quero, de certo modo, redescobrir o ímpeto que me levou a fazer da literatura a minha profissão – aquele que me fazia pedir livros de presente de aniversário, gastar toda a minha mesada na livraria, abrir livros debaixo da carteira para ler escondido nas aulas de Física e Química na escola e, mais tarde, até mesmo faltar aulas da faculdade que não me pareciam muito importantes, só pra não deixar de ler tudo o que era necessário… 😛
Dois dias depois de ler o post pela primeira vez, e de fazer uns mil comentários, eu disse à Camila: “Camila, eu sei que estou arrumando sarna pra me coçar… Mas acabo de me tocar que no mês de agosto eu vou estar relativamente de férias – viajo com o marido uma semaninha e depois tenho que preparar os cursos do 2o. semestre, mas não tenho que dar aulas… Sabe o que isso quer dizer? Que a louca da literatura aqui acaba de comprar o Nem Santos Nem Anjos pra te acompanhar nessa primeira etapa da viagem…” 🙂
Nem Santos Nem Anjos, de Ivan Klíma, foi o livro escolhido pela Camila para representar o primeiro país sorteado, a República Tcheca. Achei interessante a decisão de fugir de reler Franz Kafka ou Milan Kundera, escolhas mais óbvias quando se pensa na República Tcheca. Adotei a escolha, e logo comprei o livro online. Enquanto esperava chegar, a Camila terminou a leitura e sorteou o segundo país, Ruanda. Começamos a pesquisar e a trocar ideias, juntamente com a Wanessa Lima e a Mari Vidigal, que também mergulharam de cabeça no projeto. Como o livro escolhido para representar Ruanda, The Past Ahead, de Gilbert Gatore, estava disponível em edição Kindle, comecei a minha leitura por ele.
A princípio, a minha intenção é mesmo embarcar de carona no projeto da Camila, com pequenas adaptações – pretendo seguir os sorteios, pesquisar sobre os países e autores, participar da escolha dos romances e fazer comentários lá no Viaggiando, que se tornou a sala de visitas principal de todos os que estão acompanhando o projeto, integralmente ou em parte. Mas não tenho a intenção de resenhar os romances, justamente porque quero me libertar da obrigação de dar um feedback, que para mim é algo muito ligado ao âmbito profissional. E também não vou acompanhar o ritmo de leitura da Camila, até porque o que eu expliquei no primeiro dia é bem verdade – com tantas leituras a fazer para o trabalho (tenho que reler 7 peças de Shakespeare, fora os textos críticos, apenas para o curso que vou dar no mestrado!) realmente me sobra pouco tempo para ler por lazer. Mas, se eu conseguir dar conta de um livro da VAM por mês já vou ficar bem satisfeita. Levei uns 15 dias entre baixar o The Past Ahead no Kindle e terminar a leitura, em pleno fim de semestre, então talvez eu consiga cumprir os prazos que estabeleci sem maiores dificuldades, mesmo tendo que priorizar as outras leituras.
Fazendo um resumo básico, a empreitada consiste em ler um livro de cada um dos 193 países reconhecidos pela ONU, seus 2 estados observadores (Vaticano e Palestina) e também Kosovo, Taiwan e Saara Ocidental, somando 198 destinos ou 198 livros – daí a hashtag #198livros… 😉 O critério tem falhas, sem dúvida – por exemplo, privilegia o conceito de literatura nacional em um mundo que, na prática, apresenta tantas questões relacionadas às diásporas e imigrações que fica difícil definir o que seria um livro representativo de determinado país. E, por seguir a lista de países da ONU, vamos ter que escolher um único livro para representar o Reino Unido, quando sabemos que as culturas da Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte têm, obviamente, não apenas suas características próprias como histórias de dominação… A nossa escolha vai acabar priorizando a literatura hegemônica local, até porque vamos enfrentar dificuldades práticas de logística e distribuição para conseguir romances de vários países, e a literatura canônica local certamente será ao menos um pouco mais acessível. Na maioria dos países, provavelmente não vamos ter uma noção mais exata do que estaremos deixando de fora – mas é só pensar que é preciso escolher um único romance para representar o Brasil que se torna mais fácil entender que essa é uma tarefa que beira o impossível. Feita essa ressalva, não vemos outro jeito de levar o projeto a termo…
A escolha dos destinos será feita por sorteio, pela Camila – e eu vou procurar respeitar a ordem, embora já tenha começado fazendo bagunça e lendo o segundo antes do primeiro… 😳 Sabemos também que de vez em quando vamos precisar trapacear na ordem de leitura; no caso, por exemplo, de precisarmos esperar que o livro do país 10 seja enviado por correio, vamos conferir se o livro do país 11 não seria uma edição Kindle, só para não interromper o processo. Eu achei a ideia de sortear os destinos super divertida – vamos acabar saltando de um ponto do mundo ao outro… Claro que esse é apenas um critério que se pode seguir, dentre muitos – por exemplo, um outro projeto de ler o mundo, o Reading the World, segue de um país a outro respeitando rotas que um viajante efetivamente usaria…
A Camila também definiu alguns critérios básicos para a escolha dos livros. Os meus critérios são bem semelhantes aos dela, com uma ou outra diferença quase insignificante – e esses critérios não são 100% rígidos, já que seria praticamente impossível completar um projeto desses sem alguma flexibilidade. Na medida do possível, vou procurar ler os mesmos livros que ela, pra manter esse clima de clube de leitura. Só vou divergir no caso de querer muito ler um livro que ela não queira ou já tenha lido… 😉
1. Eu, pessoalmente, prefiro ler romances, e esse é o gênero que vou privilegiar – mas posso abrir exceções para contos, quando me parecerem ser uma opção mais representativa do país sorteado ou se forem a única opção disponível;
2. Pretendo privilegiar as obras contemporâneas, de preferência publicadas a partir da metade do século XX, e que, de algum modo, lidem com fatos históricos e culturais que aumentem o meu conhecimento sobre o país – até para manter a noção de que esse projeto é uma grande viagem!
3. Quando os romances tiverem sido escritos em português, inglês, espanhol ou francês, vou procurar lê-los no original – isso vai ser ótimo principalmente para treinar o espanhol e o francês. Quando os originais forem escritos em qualquer outra língua, vou privilegiar a tradução direta para o português, se existir; se não existir, vou preferir ler a tradução para o inglês.
4. Se for necessário importar os livros, vamos preferir os que estiverem disponíveis em edição Kindle – assim reduzimos drasticamente o tempo de espera e também os custos…
Aos poucos, de acordo com os sorteios e as escolhas de novos livros, vou atualizando a tabela abaixo…
PAÍS | LIVRO | AUTOR |
001. República Tcheca | Nem Santos Nem Anjos | Ivan Klíma |
002. Ruanda | The Past Ahead | Gilbert Gatore |
003. Emirados Árabes Unidos | The Sand Fish | Maha Gargash |
004. Tunísia | The Scents of Marie Claire | Habib Selmi |
005. Argentina | El Cantor de Tango | Tomás Eloy Martinez |
006. Bósnia-Herzegovina | Como o Soldado conserta o Gramofone | Saša Stanišic |
007. Gana | Journey | Gheysika Adombire Adambila |
008. Reino Unido | White Teeth | Zadie Smith |
009. Ilhas Salomão | The Alternative | John Saunana |
010. Suécia | Missing | Karin Alvtegen |
011. Omã | Earth weeps, Saturn laughs | Abdulaziz Al Farsi |
012. Turcomenistão | The Tale of Aypi | Ak Welsapar |
013. México | Malinche | Laura Esquivel |
014. França | Amanhã, Numa Boa | Faïza Guène |
015. Finlândia | My First Murder | Leena Lehtolainen |
016. Butão | The Circle of Karma | Kunzang Choden |
017. Madagascar | Tovonay, l’Enfant du Sud | Michèle Rakotoson |
018. Mali | Amkoullel, o Menino Fula | Amadou Hampâté Bâ |
019. Malásia | Evening is the Whole Day | Preeta Samarasan |
020. Lituânia | Vilnius Poker | Ricardas Gavelis |
021. Papua Nova Guiné | Night Dreams of Passing Memories | John Kadiba |
022. Vietnã | Paradise of the Blind | Duong Thu Huong |
023. Bulgária | Street Without a Name | Kapka Kassabova |
024. Saara Ocidental | Los Senderos de la Vida | Ahmed Mulay Ali Hamadi |
025. Camboja | In the Shadow of the Banyan | Vaddey Ratner |
026. Uzbequistão | A Poet and Bin-Laden | Hamid Ismailov |
027. Comores | The Kafir of Karthala | Mohamed A Toihiri |
028. Moldávia | The Good Life Elsewhere | Vladimir Lorchenkov |
029. Andorra | Azul de Prusia | Albert Villaró i Boix |
030. Áustria | Extinction | Thomas Bernhard |
031. Quirguistão | Jamilia | Chingiz Aitmatov |
032. Moçambique | Terra Sonâmbula | Mia Couto |
033. Timor Leste | Olhos de coruja, olhos de gato bravo | Luís Cardoso de Noronha |
034. Marrocos | A palace in the old village | Tahar Ben Jelloun |
035. Paquistão | Moth smoke | Mohsin Hamid |
036. Laos | Mother’s Beloved | Outhine Bounyavong |
037. Espanha | A Sombra do Vento | Carlos Ruiz Zafón |
038. Antígua e Barbuda | A Small Place | Jamaica Kincaid |
039. Colômbia | Os Informantes | Juan Gabriel Vásquez |
040. Palestina | The lady from Tel Aviv | Raba’i al-Madhoun |
041. Itália | Gomorra | Roberto Saviano |
042. Bolívia | Palacio Quemado | Edmundo Paz Soldán |
043. Samoa | The Girl in the Moon Circle | Sia Fiegel |
044. Armênia | Burning Orchards | Gurgen Mahari |
045. Angola | Os Transparentes | Ondjaki |
046. Austrália | Cloudstreet | Tim Winton |
047. Cuba | Corazón Mestizo | Pedro Juan Gutierrez |
048. Albânia | Abril Despedaçado | Ismail Kadaré |
049. Senegal | Une Si Longue Lettre | Mariama Bâ |
050. Belarus | Paranoia | Victor Martinovitch |
051. Lesoto | How We Buried Puso | Morabo Morejele |
052. Zimbábue | Shadows | Novuyo Rosa Tshuma |
053. Iêmen | Land Without Jasmine | Wajdi al-Ahdal |
054. Noruega | The Redbreast | Jo Nesbo |
055. Holanda | Amsterdã Blues | Arnon Grunberg |
056. São Cristóvão e Nevis | Only God Can Make a Tree | Bertram Roach |
057. Nigéria | Purple Hibiscus | Chimamanda Ngozi Adichie |
058. São Tomé e Príncipe | Histórias da Gravana | Olinda Beja |
059. Cingapura | Fistful of Colours | Suchen Christine Lim |
060. Cabo Verde | O Testamento do Sr. Napumoceno | Germano Almeida |
061. Uruguai | La Borra del Café | Mario Benedetti |
062. Congo | Broken Glass | Alain Manbackou |
063. Coreia do Norte | The Aquariums of Pyongyang | Kang Chol-Hwan |
064. Costa Rica | Puerto Limón | Joaquín Gutiérrez Mangel |
065. Gabão | Mema | Daniel Mengara |
066. Argélia | Les Amants Désunis | Anouar Benmalek |
067. Serra Leoa | A Long Way Gone | Ishmael Beah |
068. Ucrânia | The Sarabande of Sara’s Band | Larysa Denysenko |
069. Mianmar | Smile as They Bow | Nu Nu Yi |
070. Vaticano | O Homem que não queria ser Papa | Andreas Englisch |
071. Tadjiquistão | Hurramabad | Andrei Volos |
072. Eslovênia | Southern Scum Go Home | Goran Vojnović |
073. Belize | Beka Lamb | Zee Edgell |
074. Egito | Blue Lorries | Radwa Ashour |
075. Croácia | The Ministry of Pain | Dubravka Ugresic |
076. Turquia | The Museum of Innocence | Orhan Pamuk |
077. Casaquistão | Almaty Transit | Dana Mazur |
078. Suíça | O juiz e seu carrasco | Friedrich Durrenmatt |
079. Benim | Why Monkeys Live in Trees… | Raouf Mama |
080. Polônia | Senhorita Ninguém | Tomek Tryzna |
081. Sudão do Sul | There is a Country | Vários |
082. Mônaco | Un rocher bien ocupé | Pierre Abramovici |
083. Irlanda | House of Splendid Isolation | Edna O’Brien |
084. Granada | Angel | Merle Collins |
085. Portugal | Madrugada Suja | Miguel de Sousa Tavares |
086. Maldivas | Dhon Hiyala and Ali Fulhu | Abdullah Sadiq |
087. Geórgia | Journey to Karabakh | Aka Morchiladze |
088. Guiana | Frangipani House | Beryl Gilroy |
089. Dominica | The Orchid House | Phyllis Shand Allfrey |
090. Camarões | O Velho Negro e a Medalha | Ferdinand Oyono |
091. Tailândia | Jasmine Nights | S. P. Somtow |
092. Líbano | Porta do Sol | Elias Khoury |
093. República Dominicana | El Secreto de Neguri | Luis Arambilet |
094. Alemanha | A Rosa Branca | Inge Scholl |
095. Irã | Setembros de Shiraz | Dalia Sofer |
096. Estônia | The Beauty of History | Viivi Luik |
097. Togo | Escravos | Kangni Alem |
098. Suriname | The Cost of Sugar | Cynthia McLeod |
099. Chile | Formas de Voltar para Casa | Alejandro Zambra |
100. China | Cisnes Selvagens | Jung Chang |
101. Azerbaijão | Ali e Nino | Kurban Said |
102. Líbia | Chewing Gum | Mansour Bushnaf |
103. Taiwan | Taiwan Tales | Diversos Autores |
104. Guiné-Bissau | A Última Tragédia | Abdulai Sila |
105. Filipinas | When the Rainbow Goddess Wept | Cecilia Manguerra Brainard |
106. Guiné | O Menino Negro | Camara Laye |
107. Nova Zelândia | The Bone People | Keri Hulme |
108. Fiji | Tales of the Tikongs | Epeli Hau’ofa |
109. Romênia | The Passport | Herta Müller |
110. Bahamas | Thine is the Kingdom | Garth Buckner |
Palau ** | ||
Brunei ** | ||
Tuvalu** | ||
Namíbia** | ||
* À espera do livro encomendado.
** Ainda em busca de um livro do país.
Finalmente, convido a todos os interessados em acompanhar o projeto, então, para visitar A Volta ao Mundo em 198 Livros, no Viaggiando, e para acompanhar a viagem no Twitter e no Instagram pela hashtag #198livros e, no Facebook, pela página do Viaggiando. Uma ótima VAM dos Livros a todos! 😀
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